Às margens de um riacho, protegido
por uma pequena floresta silenciosa, uma mulher faz oferenda aos deuses
japoneses, com o propósito de dar a luz a um menino.
Ela e o marido viviam tempos
difíceis. O casal vivia da agricultura e nos últimos anos o que colhiam mal
dava para o sustento dos dois.
Moravam em uma região de solo
fértil. Entretanto, nos últimos anos, toda a colheita do casal era saqueada
pelos demônios que assombravam a região. O marido, Sr. Saburo, já estava velho
demais para lutar com os demônios e assim proteger a colheita. E um filho com
certeza mudaria toda aquela história de horror em que se encontravam.
A gravidez acontecia num
momento tardio. A idade da mulher não
lhe dava estrutura física para carregar uma gravidez. Mas isso não a
preocupava. Sabia que o filho era um presente dos deuses.
Orações e promessas se perdiam
no meio da floresta silenciosa. A Sra. Akemi acreditava que seus pedidos seriam
ouvidos pelos deuses do universo e dentro de alguns meses poderia dar à luz a um
menino forte o suficiente para defender sua família de todos os demônios.
Enquanto ela rezava o marido
produzia pipas coloridas para enfeitar o céu em homenagem ao nascimento do
filho. Ele nasceria. E quando chegasse o momento o céu deveria estar enfeitado
de alegria.
O que o povo da aldeia achava
loucura eles consideravam fé e gratidão.
Dentro da floresta, o Menino
Perdido, um pequeno adolescente de corpo franzino, podia ouvir o clamor daquela
mãe aflita. Ele também estava aflito. Havia se encontrado naquele lugar onde a
luz do sol só podia ser vista após o menino superar todos os obstáculos
encontrados na floresta silenciosa.
O tempo ia passando e todos os
dias eram noites. Noites e noites nebulosas e silenciosas. Nada se encontrava.
Os obstáculos a serem encontrados não aconteciam e Menino Perdido, assustado,
procurava desesperadamente a saída daquele lugar que lhe arrepiava a alma.
O choro da mulher ecoava na
floresta.
O Menino Perdido corria entre
as árvores, num desejo profundo de encontrar aquela mulher. Aos poucos, o choro
cessou e o menino, exausto, sentou-se sob uma arvore de cerejeira em flor.
O que fazer? Não sabia! Só
sabia que teria que sair dali. Procurar suas origens e voltar para casa. Em
algum lugar ele teria uma família.
Perdido em questionamentos ali
mesmo adormeceu. Acordou com um barulho esquisito. O mais estranho, é que, até
então, nunca ouvira nenhum tipo de ruído naquela floresta. Exceto aquele choro
da mulher clamando pelo filho ainda em seu ventre.
O Menino Perdido levantou-se,
reclamou da dor nas costas causada pelo mau jeito em que dormira. Caminhou
devagar em direção ao ruído, empunhando um pedaço de madeira, pronto para se
defender se fosse necessário.
A fome que sentia também era
muito grande.
A neblina consumia a floresta,
impedindo assim que o menino tivesse uma visão a longa distância.
De repente, o Menino Perdido se
depara com uma pequena multidão que brigava entre si. Ele ficou profundamente
feliz. Havia finalmente encontrado a saída.
Uma mesa farta de alimentos
podia ser vista e alcançada por ele. A briga entre aquelas pessoas era
justamente para poder comer.
O Menino Perdido não conseguia
compreender o motivo daquela desavença toda. Se o alimento estava ali por que
não comê-lo?
Eis que um jovem se aproxima no
momento em que o menino, perdido de fome, toca num bolinho de arroz.
- Não toque no alimento.
- Estou com fome.
- Todos estamos.
- E por que não se alimentam? -
pergunta.
- O deus da fartura nos
concedeu esta mesa, mas só podemos nos alimentar com esses hashis. – disse,
apontando para um hashi com quase dois metros de comprimento.
- E por que estão brigando? Não
seria mais fácil tentar por o alimento na boca?
- Se você acha fácil levar o
alimento à boca com esse hashi profundamente longo, tente! – desafia.
- Se vocês não conseguirem por
o alimento na boca, o que acontece? - indaga o Menino Perdido.
- Nunca mais teremos colheita.
Viramos mendigos da floresta e aqui será nossa eternidade.
O Menino Perdido ouve tudo em
silêncio.
- Não foi o deus da fartura
quem lhes entregou esta mesa. - declara.
- Quem é você? Um mendigo da
floresta? Você não é da nossa comunidade, portanto, cale-se! Nossos mestres
estão tentando desvendar o mistério...
- Eles estão se matando! - diz
o Menino, observando os homens trocarem socos e pontapés. - E mais; eu não sou
mendigo, apenas me perdi aqui. Mas agora creio que encontrei a saída.
- Ninguém é enviado à floresta
gratuitamente. Alguma coisa você fez para estar aqui ou terá que fazer para
sair.
- Você quer dizer que tenho uma
missão?
- Somente duas situações nos
transportam a essa floresta.
- Pode me dizer quais?
- A condenação, ou a
preparação.
- Não entendi. Sou apenas um
menino, como poderia ser condenado?
Os olhos assustados do Menino
Perdido põem o outro jovem a gargalhadas.